Crônicas Cronificadas - O Rato

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O Rato

"No carro comum do cidadão comum podem entrar pessoas, cães, gatos, utensílios domésticos, compra de supermercado, e por aí afora.
Certa vez eu estava andando dentro dos limites de segurança, obviamente, na Rodovia dos Bandeirantes.
De repente olhando pelo retrovisor vi algo se mexer, sim algo se mexer sobre o encosto do banco traseiro.
Pensei em todas as possibilidades. Podia ser um aracnídeo, escorpião ou uma cobra. Sim, pensei nestas possibilidades, pois ando muito em locais de mata nos fins de semana, e também moro em uma chácara.
Bom, resolvi olhar em frente e manter minha atenção focada. Algo aconteceu de novo, a minha visão periférica constituída por bastonetes atentos as imagens circundantes identificou, como um sofisticado aparelho de guerra, algo que se movimentava sorrateiramente sobre o encosto das poltronas traseiras.
Virei rapidamente, e nada. Isto me deixou em alerta vermelho. Uma vez encontrei uma aranha no assento do meu carro, achei até que ela estava querendo roubar o veículo, mas suas pernas não alcançavam o acelerador, era da família das armadeiras, quase pulou no meu pescoço, foi assustador.
Bom, continuei a dirigir, com um olho no peixe e o outro no gato. Situação de alto desgaste emocional e tensão. Minha consciência estava voltada oitenta por cento para dentro do veiculo e os vinte por cento restantes eu usava para ver se estava dentro das faixas brancas da estrada. Novo movimento aconteceu.  Virei-me no mesmo momento e...
UM RATO! ARRG!
Imediatamente manobrei o carro em direção ao acostamento, e inclinei o meu corpo para fora do carro. Nem acabei de estacionar, um carro parou ao meu lado. Era a polícia rodoviária. O policial desceu do veículo, se dirigiu a mim:
- Algum problema?!
- Sim, tem um problema.
- O Sr. está passando bem?
- Não, tem um ratzzz... no meu carro. Desculpa estou nervoso, tem um rato dentro do meu carro.
- Um ratozzz, quer dizer, um rato, disse o policial.
- Sim, o Sr mesmo poderá me confirmar isto.
- Eu?
- Claro, o Sr é autoridade...
- Sou um policial cidadão, e não funcionário da companhia de desratização...
- Desculpa, mas o Sr tem que me ajudar...
- OK cidadão, vamos tirar esse rato do carro..
Começou a epopéia da Flauta de Hamelim.
Abrimos todas as portas e começamos a busca. No momento em que o policial está submerso no porta-malas olhando cada cantinho, chega outra viatura. Descem dois policiais. Logo havia três policiais armados e eu, enfiados desde o capô até o porta-malas em uma operação de guerra contra o roedor.
Grita o policial que está no porta-malas (Ribeiro) para toda a equipe.
- Vi o rabo dele passando por baixo do banco.
- Que banco? Diz o outro... (policial Silva)
- O banco de trás, do lado direito... (policial Ribeiro)
- Deixa comigo... (policial Ubiratan)
- Correu para baixo do banco da frente, o banco esquerdo... (Ribeiro)
- Cerca, cerca, Silva.
- Ai! (eu)
- Desculpa (Silva)
- Cuidado, ele pode morder... (Ribeiro)
- O bicho é rápido (Ubiratan)
- Passou para o painel (eu)
- Caramba (Silva)
- Tá no porta luvas. Tá no porta luvas... (Silva)
- Tá no porta luvas... (Ribeiro)
- Tá no porta luvas... (Ubiratan)
- Cuidado, ele tá saindo do carro... (Ribeiro)
- Saiu! (Silva)
- Saiu! (Eu)
- Saiu! (Ubiratan)
- Cacilda! (Silva)
- Entrou na viatura (Ubiratan)
- Pô! Entrou na minha viatura! (Silva)
- Entrou na nossa, né, meu! (Ribeiro)
- É (Silva)
Neste momento fiquei aliviado, o poder público cumpria sua missão. Meu carro foi desratizado. Agora o poder público teria que desratizar o próprio veículo.
Agradeci aos policiais, que nem sequer olharam para mim, de tão preocupados que estavam tentando tirar o pequeno roedor da viatura. Pelo retrovisor vi a perna de Ubiratan dobrada apontando pra cima como se tivesse brincando de submarino dentro do carro. Nunca contei para ninguém o acontecido, só pra vocês que estão lendo estas bem traçadas linhas."

(Crônicas Cronificadas - O Rato por Moisés Esagui)

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